Minuto
Escreves, a contragosto, a contravoz, mão contra mão contra o papel, sólido, irrespirável (difícil engolir o coração com a garganta, mais fácil fazê-lo com as palavras), corpo dor, cego dor, contravida que te insiste viver (escavafunda, cegafunda, terrinsiste, ceguinsiste). Diverges, distrais, sabes que se te calasses a dor seria ensurdecedora. Prossegues, escutas com atenção, medes as palavras uma a uma, esculpes o seu rosto sem perdão (no fundo, talvez acredites mais do que acreditas, talvez esperes mais do que a esperança nenhuma que trazes). Minuto a minuto não morres. Palavra a palavra não morres. Por vezes parece que apazigua, como se o nó afrouxasse e o ar se tornasse um pouco mais claro ou (outra imagem) um intervalo se abrisse entre muro e muro (ouves a chegada do camião do lixo, o ruído das bombas hidráulicas a movimentarem os braços mecânicos, sobem, descem, voltam a subir, voltam a descer, sentes-te menos só, consegues já respirar, talvez até consigas sossegar, apagar a luz, adormecer). E é só por isso.
Broto Sofro (Averno 021)